6.3.06

Politicamente incorrecto ou o direito � pregui�



Depois de muitas investidas em defesa do trabalho, penso existir a necessidade de desmistificar este conceito aparentemente t�o nobre... sobretudo para aqueles que dele padecem.
O trabalho, por ess�ncia, op�e-se � liberdade e ao �cio (um apontamento: �cio tem origem na palavra schole, escola) e, por isso, se compreendem as v�rias lutas de populares e sindicatos (geralmente composto por ex-trabalhadores) por melhores condi��es de trabalho. Compreende-se!? Talvez n�o.


Exigir melhores condi��es de trabalho, quando o trabalho � exactamente o oposto de boas condi��es parece um contra-senso, s� compreens�vel porque nos colocaram na cabe�a (sobretudo com o final da escravatura) que o trabalho � algo de digno (no pensamento ocidental, o primeiro a contribuir em grande escala para isto foi Hegel, com a dial�ctica do senhor e do escravo, tornando-se escravo do escravo o senhor porque necessita do trabalho do escravo, mas n�o vos vou cansar com pormenores).

Vamos come�ar pelo in�cio: a origem da palavra "trabalho" na nossa l�ngua e restantes de origem latina.
A raiz da palavra "trabalho" � dupla: por um lado, radica no verbo laborare (cambalear sob um carga pesada, falando-se dos escravos) e, por outro, de tripallium que era nada mais nada menos do que um instrumento (uma esp�cie de jugo) de tortura. Ou seja, "trabalho" � apenas para aqueles que s�o destitu�dos de liberdade e s�o passivos em rela��o aos sortudos que est�o num status social mais feliz. Com a complexiza��o dos sistemas sociais e paralela luta pelos direitos do ser humano, criou-se a ilus�o de que trabalhar � algo de nobre e digno. Para sublinhar esta felicidade de trabalhar at� se inventou uma coisa chamada ordenado, que � uma esp�cie de lavar de m�os e consci�ncia dos que n�o t�m de trabalhar e serve como lenitivo para os que trabalham, porque, apesar da felicidade e prazer que � trabalhar, � bom ganhar alguns cobres para depois podermos esquecer que temos de trabalhar (o problema surge quando o dinheiro n�o � suficiente para nos esquecermos, servindo s� para subsistir - c� est�, ainda mais n�tido, o tal instrumento de tortura ou a carga do escravo - e, geralmente, � aqui que entram os sindicatos a exigir melhores sal�rios para que os trabalhadores possam continuar a trabalhar e a descontar dos seus ordenados o d�zimo para os sindicatos que zelam pelas condi��es da tortura).

Entre os trabalhadores do nosso tempo, onde todos de certa forma nos inclu�mos, h� duas grandes esp�cies:

1 - Os neo-escravos: os mais conhecido porque os mais numerosos (qualquer semelhan�a com a hierarquia social dos tempos medievos ser� coincid�ncia...). S�o as pessoas que trabalham de sol-a-sol, que acordam cansados, trabalham todo o dia ou noite, chegam a casa cansados e adormecem cansados. Ao fim-de-semana ou no dia de folga, geralmente est�o demasiado cansados para descansar com alguma qualidade. S�o estes os preferidos dos patr�es, porque, � for�a do cansa�o, n�o t�m for�as para reivindicar (n�o � por acaso que as grandes lutas do proletariado s�o levadas a cabo por "burgueses"). Mas, obviamente, estas pessoas s�o � destitu�das de intelig�ncia: trabalham por que isso d� um gozo do cara�as... Pelo menos, � o que pensam os da segunda esp�cie...

2 - Os patetas-felizes: a grande diferen�a entre estes e os anteriores � que, enquanto os outros n�o gostam de trabalhar mas precisam, estes tentam virar o bico ao prego e dizem que trabalhar at� � bom e � digno. T�m a mania que s�o insubstitu�veis no sistema de trabalho porque trabalham como ningu�m e at� competem com os pares para tentar ser os menos choramingas e lamurientos ao suportar o jugo torturador. Quando o conseguem, ficam ufanos e paira sobre eles uma �urea de vit�ria, que eles t�o bem proclamam aos outros. Estes s�o os melhores amigos dos patr�es e s� enrugam ligeiramente a testa quando os patr�es apontam alguns erros no seu labor ou quando entra outro elemento t�o zeloso da sua fun��o de escravo quanto ele. S�o estes, tamb�m, que quando ouvem manifesta��es e lamentos sobre o trabalho atiram com a frase "eles n�o querem � trabalhar" ou dizem sobre os estudantes (os que andam na schole) que estes s�o uns pregui�osos (incluindo os filhos, de devem ser sempre os melhores da turma, os mais trabalhadores e menos estudantes), acreditando piamente que a ess�ncia do sentido da exist�ncia humana est� no trabalho, seja em que condi��es for. Ali�s, outra frase conhecida desta gente � a de que, caso ganhem a lotaria ou o euromilh�es, continuar�o a trabalha, simplesmente porque... n�o sabem fazer mais nada. S�o estes, tamb�m, aqueles que nutrem uma certa inveja mascarada de m�rtir e de dever cumprido dos outros que se divertem: quando miram algu�m sorridente e a divertir-se (ou simplesmente a ler uma revista numa qualquer esplanada) o olhar encrespa-se e buscam, de novo, o conceito da dignidade do trabalho (que se pode traduzir em ter um carro ou casa melhor, no pr�mio de trabalho ou dar uma Xbox ao rebento). S�o geralmente estes que levam t�o a s�rio a tortura que j� se esqueceram de como � estar com a fam�lia ou conversar com amigos com assuntos que transcendem o seu pr�prio trabalho.

Dentro destes grandes grupos podemos encontrar o conceito de trabalho. Como os amigos leitores devem saber, h� aqueles que trabalham e gostam honestamente do que fazem. Aparentemente, estou a entrar em contradi��o e, por isso, h� que voltar � l�ngua. Falei-vos da origem latina, que � a que temos, da palavra "trabalho". Mas nem tudo � trabalho. N�o temos, em portugu�s, um verbo bonito para referir as tarefas que n�o s�o trabalho, mas os ingleses t�m (e depois admiram-se que tenha sido l� que surgiu a revolu��o industrial). Na l�ngua inglesa h� a palavra work que significa n�o s� ?trabalho? (e aqui temos a palavra t�cnica de workaholic, que se inclui no tipo dois que enunciei), mas tamb�m obra (e por isso usamos a mesma palavra para nos referirmos, em ingl�s, � obra de um escritor, pintor, ensa�sta, etc.). Nesta acep��o, "obrar" tem dignidade j� que se trata de uma tarefa ou um agir que se prende com a auto-determina��o dos obreiros, onde entra o esfor�o mas tamb�m a criatividade (que s� � poss�vel com liberdade). � aqui que encontramos o "trabalho" digno, o da obra, o da constru��o livre e onde habitam aqueles que se sentem francamente realizados com a tarefa de que se ocupam sem que caiam na presun��o dos patetas-felizes. Para estes, "trabalho" n�o existe.

Assim, e para rematar, vemos que s�o mais felizes aqueles que constroem obras ou aqueles que, mesmos que tenham de trabalhar, arranjam tempo para pregui�ar ou fazer obras (este tempo extra trabalho, para os patetas-felizes, s�o passatempos, j� que, quando t�m a infelicidade de ter tempo fora trabalho, t�m de encontrar estratagemas para se esquecerem que n�o est�o a trabalhar).

O direito � pregui�a e/ou � obra � um direito que devia ser consagrado como o segundo mais importante, logo a seguir ao direito � vida, porque o trabalho � sempre sobrevida e de digno tem muito pouco. Se trabalhar fosse bom e digno dev�amos pagar para trabalhar e receber por tempos de �cio. � a obra que nos emancipa e emancipa o mundo, n�o o trabalho.


4 Comments:

At 3/07/2006 12:13:00 da manhã, Blogger Acácio Simões said...

Hoje parece � dia de lua cheia...com essa prosa muito bem "esgalhada"...
Qualquer leigo fica estarrecidamente esclarecido.
Um abra�

 
At 3/07/2006 12:21:00 da manhã, Blogger lua-de-mel-lua-de-fel said...

Caro lobo mau,
compreendo a sua postura. Bem sei que no Luso se critica muito, tanto o que � bem feito quanto o que est� mal feito. Sei, tamb�m, que a obra em prol da comunidade � uma tarefa que tem todo o m�rito e, neste ponto, estou de acordo consigo. Ali�s, um dos meus primeiros posts foi sobre uma associa��o do Luso, grupos que penso serem de uma import�ncia extrema num estado democr�tico.
O ponto que me levou a refut�-lo foi quando o senhor preconiza sil�ncios para aqueles que, como, pelos vistos, o senhor n�o d�o do seu tempo � comunidade. Penso que esse � um ideal perigoso, que favorece (maus) poderes instalados. O facto de ser cidad� permite-me o direito � cr�tica dos poderes p�blicos (os �nicos que, at� aqui, me viu criticar), poderes esses que est�o ao servi�o das popula��es. Mesmo que algu�m n�o esteja dentro de um grupo ou associa��o ou mesmo no sistema pol�tica (mesmo que, por v�rias raz�es, n�o v� �s reuni�es do poder com a popula��o)continua a ter direito � palavra. S�o, por isso, dois assuntos diferentes, que n�o devem, como me pareceu o senhor fazer, ser imiscu�dos. Al�m disso, h� v�rias formas de contribuir para a comunidade, que n�o passam por um trabalho directo em prol da comunidade: o facto de se ter um emprego, de habitar e comprar no com�rcio da comunidade, de frequentar bares e caf�s da terra, de assistir a espect�culos propostos por gentes da terra, etc, s�o contribui��es t�o dignas como ser, por exemplo, presidente da junta de freguesia. N�o devemos confundir cargos p�blicos e pol�ticos o com o direito � cidadania; cada um tem a sua obriga��o no sistema social e, no caso dos cargos pol�ticos ou de associa��es, a fun��o � volunt�ria. Todos temos o direito ao uso da palavra. Se alguns exageram, claro!, mas n�o ser�o mais do que aqueles que, por diversas raz�es, se tecem em sil�ncios amargos e dolorosos.Talvez compreenda agora o meu rep�dio por qualquer argumento que preconize sil�ncios (e s� o mandei calar, no outro coment�rio, para compreender que eu n�o tenho direito lhe pedir isso, tal como o senhor n�o tem em mandar trabalhar e silenciar os outros).

 
At 3/07/2006 09:38:00 da manhã, Blogger El Tonel said...

Lua

Essa de ser pago pelos momentos de �cio, � que n�o era nada m� ideia...lololol... Se bem entendi o sentido do teu post, acho que ainda vais vender aqui algumas carapu�as....

Lobo Mau

� p�... n�o estejas t�o deprimido, p�. A piada dos nicks � justamente mandarmos �bitaites� uns aos outros sem sabermos quem somos. Aposto contigo que a maior parte daqueles que participam aqui, s�o justamente aqueles que v�o dando alguma coisa de si � terra... nem que seja s� umas �bufas�... enfim... h� que ser optimista... pior do que est� j� n�o pode ficar... ali�s... parece que os ventos s�o de mudan�a!(L� o meu �ltimo post!)

�nimo homem!!!... O Luso � uma terra, com todos os componentes necess�rios ao sucesso... � s� encontarmos as propor��es certas da f�rmula qu�mica e... J� T�!!!...

BUUUUUMMMMMM!!!!!.... Passamos todos a andar de Rolls-Royce e a pedir ao �Anbr�sio�: �Ambr�sio, apetece-me algo!�... �Uma Mini, Senhor??� responder� ele... LOLOLOLOL

LUSO!!!... SEMPRE NA FRENTE, CARAGO!!!

 
At 3/07/2006 09:42:00 da manhã, Blogger jibita said...

"o facto de se ter um emprego, de habitar e comprar no com�rcio da comunidade, de frequentar bares e caf�s da terra"

ter um emprego ou ter trabalho?!?.....duas palavras contradit�rias....para muitos.

Lua, se n�o for pedir muito as origens gramaticais da palavra emprego?..para ver de onde vem?.se dos trabalhadores ou dos �cios dos trabalhadores.

bem adiante...Cara Lua excelente prosa, digna de um tabl�ide nacional, de encher o olho a qualquer ser que se digne a ler este belo racioc�nio.......concordando com a segmenta��o apresentada, ser� que s� existem " contentes" os que se dedicam � obra intelectual, ou ser� que todo o restante ser que por caminhos travessos desta vida n�o teve a sorte (se � que existe)de uma oportunidade de ter "tempo" para estudar, de ter "tempo" para se concentrar na escrita, na cultura, no lazer , no �cio.....nessas coisas belas que esta vida nos d�.
Mesmo assim ser� que n�o s�o felizes?

 

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