23.1.07

Assunto: SIM ou NÃO no referendo sobre o aborto.

Escrevo este post sobre o aborto, pois de facto, ainda não consegui formar uma opinião definitiva sobre o meu sentido de voto. Espero que, alguns comentários possam ajudar-me a tomar a melhor das decisões.

No anterior referendo votei "Branco". Pois na altura, pareceu-me que, enquanto homem, não me deveria emiscuir num assunto que afecta as mulheres na primeira pessoa. Mas confesso que, quando venceu o "Não", me senti satisfeito. Não sei se por influência da educação cristã, se por qualquer outra ordem de razões, o facto é que me senti satisfeito.

No entanto, anos passados, fui obrigado (porque não tinha escolha) a conviver de perto com uma situação que não desejo a ninguém: pediram-me a opinião: "Achas que a minha mulher deve abortar?" - perguntou-me uma pessoa da minha família. Passo a explicar - uma senhora da minha família estava grávida e feliz quando às 12 semanas lhe foi diagnosticado um virus no feto. Depois de consultar os mais variados especialistas em Portugal, o diagnóstico era unânime: Deficiência profunda e epilépsia - Todos os que tiveram de conviver de perto com este diagnóstico se sentirem profundamente tristes e impotentes e a todos (repito: a todos), passou pela cabeça a hipotese da interrupção voluntária da gravidez. O problema é que entretanto já tinha passado mais algum tempo, e já só em França seria possível efectuar tal operação e incorrer num crime em Portugal. É triste mas foi assim que aconteceu. É triste, mas com a nova lei, o problema mantén-se, uma vez que se trata de uma despenalização apenas até às 10 semanas (10 semanas e um segundo, já é punido com prisão)

No entretanto, em conversa com alguns especialistas da Universidade de Lisboa, foi alvitrada a hipotese de um tratamento anti-viral desenvolvido na Belgica, mas cujos resultados seriam incertos, dada a extensão de lesões no cortex cerebral do bebé. A mãe tomou a opção de não abortar, o que nos deixou a todos preocupados mas ao mesmo tempo aliviados por não termos de opinar sobre a vida de uma criança.

O tempo passou, a criança nasceu e, por puro milagre, mau diagnóstico ou mera sorte, nasceu perfeitinha e sem nenhum problema de maior.

Hoje, cada vez que brinco com ela, tenho vergonha de algum dia, me ter passado pela cabeça, aprovar que lhe tirassem a vida. Quando ela for mais velha, faço questão em, lhe explicar tudo na esperança de ser perdoado, pois naquela altura parecia-me a solução mais fácil e cómoda.

Desculpem o desabafo, mas algumas vezes, vale a pena explicar certas coisas, antes de pedir uma opinião.

Obrigado

11 Comments:

At 1/23/2007 03:05:00 da tarde, Blogger Carlos Rodrigues said...

Caro Gato,

Entendo bem o seu post, o aborto divide a nossa população a meio. O meu sentido de voto está decidido, votarei favoravelmente.
Mas todos os dias penso! que decisão tomaria eu se a minha esposa decidisse abortar ? penso que seria contra. Mas terei eu o direito de decidir, pelas mulheres, pelos vizinhos pelos outros !
Serão estes capazes de educar, ensinar ou então crescer quase ao abandono !
Vivemos num estado democrático e compete a cada um decidir o caminho que quer percorrer, pessoas com posses financeiras deslocam-se aos países vizinhos de forma a abortar e boas condições fugindo a nossa Lei, mas as pessoas com poucas posses financeiras, geralmente as mais vulneráveis sujeitam-se a abortos ilegais, com poucas condições e acompanhamento médico.
Nasci em França, país em que o aborto foi liberalizado no dia 21 de Setembro de 1974, ano em que aconteceu no nosso país a revolução dos cravos, temos de respeitar a opinião dos outros, não compete a mim decidir por eles., porque quem quer abortar em Portugal simplesmente ABORTA, mas nem sempre com as mesmas igualdades.

 
At 1/23/2007 03:57:00 da tarde, Blogger Jerico & Albardas, Lda. said...

Caro Gato.
Esse drama que foi vivido por ti, acontece em centenas de casas deste país, pelas mais variadas razões.
E, exceptuando casos claros de abuso que sempre existirão, é uma decisão difícil e dolorosa de tomar e que acaba por envolver e afectar a família mais chegada.
E caso a decisão seja a de fazer um aborto, não é a lei que o irá impedir. Ele será feito em Espanha, França ou debaixo do vão de escada, como se costuma dizer.
Agora eu pergunto: Vamos continuar a expôr mulheres em praça pública, a estigmatizá-las e incriminá-las, por essa decisão?
Pela tua experiência, constato que a decisão foi tomada na intimidade da família.
E é assim que acho que deve ser. Cada um, em função da situação que esteja a viver deve ter a possibilidade de tomar a sua decisão em consciência e sem recriminações.
Eu não vou decidir pelos meus vizinhos, nem sobre situações e dramas que desconheço na totalidade.
Por isso votarei sim.

 
At 1/23/2007 06:54:00 da tarde, Blogger Acácio Simões said...

é pena este post não ser lido por mais pessoas.
Depois da leitura pára-se e fica-se a pensar....

 
At 1/23/2007 06:54:00 da tarde, Blogger teófilo said...

Caro Gato,

Compreendo bem a tua situação. De qualquer forma, a meu ver, a única forma de combater o aborto é através da educação da população. Como por exemplo, educação sexual nas escolas, planeamento familiar, entre outras medidas.
Na prática, quando surgem situações deste género, quem tem possibilidades vai a Espanha ou a França. Quem não tem, faz ilegalmente cá em Portugal. E isso representa um risco enorme para a saúde das mulheres que o fazem.
Já agora, eu não sou a favor do aborto, mas acho que neste problema, como em outros, a proibição não resolve o problema só agrava.

Deixo aqui um artigo interessante sobre a mesma discussão que decorre no Brasil.

http://www.redepsi.com.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1903

 
At 1/23/2007 06:56:00 da tarde, Blogger Acácio Simões said...

para o amigo Carlos Rodrigues: saberá ele que na terra onde nasceu ontem houve uma grande manifestação para que a proibição do aborto volte? é verdade...vi na TV.

 
At 1/23/2007 07:51:00 da tarde, Blogger Jerico & Albardas, Lda. said...

Teófilo, tocaste num ponto chave.
A educação da população.

Há campanhas que dizem que o Não é moderno.
E eu concordo. E estou convencido que o mundo caminhará para essa modernidade. Caminhará para uma sociedade cientifica e culturalmente evoluída, onde os contraceptivos serão 100% eficazes, onde a educação sexual nas escolas será uma realidade, onde a sexualidade será tratada sem tabús, onde o diálogo entre pais e filhos será franco e aberto, onde os nossos jovens estarão perfeitamente esclarecidos, onde os pais não se espantem se virem o seu filhinho ou filhinha com 16, 17 ou 18 anos, com contraceptivos no bolso. Jovens, mas responsáveis. Homenzinhos e mulherzinhas.
Nessa altura estarão reunidas as condições para termos uma sociedade moderna e onde o Não fará todo o sentido e onde o aborto deverá ser penalizado. Até lá... voto sim.

 
At 1/23/2007 10:33:00 da tarde, Blogger Jerico & Albardas, Lda. said...

Uma dúvida gato.
o aborto não é punível quando (causas de exclusão da ilicitude – artº 142º do Código Penal actual) for efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher grávida quando:

c) houver motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita (aborto eugénico), e for realizado nas primeiras 24 semanas;

 
At 1/23/2007 10:36:00 da tarde, Blogger Carlos Rodrigues said...

Caro Acacio,
Sei, porque tambem vi essa reportagem televisiva.
Hoje analisei as estatisticas desses ultimos 30 anos de aborto em França ! Resultado diminuiu essa opção nos ultimos dez anos em todas as faixas etaria. Mas em lado nenhum consegui obter dados fedignos relativo ao Aborto ilegal realizado em Portugal!

 
At 1/24/2007 12:38:00 da manhã, Blogger Judas said...

Foste a segunda pessoa que me fez parar para pensar! Obrigado.

 
At 1/24/2007 09:39:00 da manhã, Blogger D'artagnan said...

A todos agradeço as opiniões, até porque as senti como sinceras e despidas de politiquices.

Realmente, não basta dizer "SIM porque sim", ou "NÃO porque não" e muito menos "Porque o nosso partido ou religião assim o mandam". Confesso que cada vez tenho menos certezas sobre o assunto e que por consciência pessoal, individualismo exacerbado ou mera cobardia mental, continuo a estar inclinado a não influenciar o sentido da votação.

O Prof. Marcelo, fala da possibilidade de uma mulher abortar, apenas "por um estado de alma". Pura tolice: nenhuma mulher faz uma coisa dessas - basta escutar algumas que já o fizeram, para chegar à conclusão do contrário (as marcas psicológicas ficam para o resto da vida).

Quando colocamos num prato da balança o "Valor-Vida da Mulher" e do outro o "Valor-Vida do Bebé", venha o diabo e escolha. Mas, e uma vez que os bebés não podem abortar a própria mãe e serem condenados por isso, também não posso concordar com o facto de uma mãe ser condenada por achar que não pode ter aquele filho (seja porque razão for). Já temos demasiada gente infeliz no mundo.

Por outro lado, quantos de nós, seres humanos da actualidade, que descendemos de milhares de anos de gerações de humanos, não descendemos de gravidezes (é assim que se escreve?) não desejadas, que se tivessem possibilidade, teriam sido abortadas?

Numa zona do globo, riquissima em guerras e invasões, e em situações de violação das populações femininas pelos exercitos invasores, será que as gerações actuais se podem considerar (em parte), descendentes de abortos gorados?

Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas, é a única coisa que continuo a ter. A coisa que mais detesto, é não conseguir formar uma opinião definitiva sobre algum assunto. irra!

 
At 1/24/2007 12:23:00 da tarde, Blogger Vítor Ramalho said...

Sempre me intrigou o uso da mentira para argumentar o que quer que seja quando se sabe, de ciência certa, que mais cedo do que tarde leva a maus resultados. E na actual discussão sobre o referendo ao aborto isso é de tal forma evidente que chega a ser chocante.
Partindo do princípio que todos sabemos ler, a pergunta proposta no referendo é, no essencial, se o aborto pode ser realizado livremente, e por isso sem qualquer penalização, por opção da mulher até às 10 semanas. Daqui decorrem várias consequências, uma das quais, a mais importante para quem defende o "sim", é que nenhuma mulher pode ser condenada se praticar o aborto até às 10 semanas. Até aqui não há discussão.
Mas há, obviamente, uma segunda consequência a retirar, que é de uma lógica matemática imbatível: o aborto, se praticado depois das 10 semanas, é e será, face à lei actual e futura (porque ninguém a parece querer mudar, nem os partidários do "sim"), um crime. É por isso do domínio do delírio político, ou da mais fina desonestidade intelectual, argumentar-se que, caso ganhe o "sim", acaba a despenalização ou criminalização do aborto. Não é, simplesmente, verdade. Nem serve o argumento sobre os julgamentos mediáticos que se assistiram nos últimos anos, porque se referiam a gestações muito para além das 10 semanas. Numa palavra: julgamentos semelhantes àqueles realizar-se-ão na mesma, caso ganhe o "sim". Com uma agravante: porque os partidários do "sim" argumentam que a lei é para se cumprir (e por isso dizem que a actual é hipócrita porque não respeitada) é de esperar que se manifestem junto dos tribunais (à semelhança do que têm feito) a pedir justiça, que, no caso, pode querer dizer prisão.
Outra não verdade (para ser simpático) refere-se aos exemplos sobre os casos dramáticos que todos conhecemos. Ora acontece que a lei actual já prevê a despenalização nessas situações. Daí que argumentar com a precariedade económica, ou alegar com a falta de saúde (até psíquica) da mãe, ou do feto, não é razoável (ou verdadeiro) porque todos estes casos estão previstos na lei, e não é a vitória do "sim" que vai alterar uma vírgula que seja.
Resta o óbvio: o que se pergunta é se o aborto pode ser realizado, até às 10 semanas, por opção da mulher. Ou seja, independentemente daquilo que cada um possa pensar sobre as mulheres, sobre os homens, sobre a responsabilidade, sobre a educação sexual e o sexo em geral, sobre a família, a natalidade, os hospitais, os médicos, o governo e por aí fora, o que se pergunta é se uma mulher, uma qualquer, quiser abortar até às 10 semanas, o possa fazer, livremente e sem dar explicações, porque ninguém tem nada a ver com isso.
Uma última, mas importante, correcção: há várias fórmulas jurídicas de condenar o aborto sem recorrer, necessariamente, à pena de prisão. O Parlamento rebenta com propostas destas, mas quem defende o "sim" recusa, sistematicamente, falar do assunto.

 

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